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Educando-nos e provendo-nos com o meio social, político, econômico, nacional, religioso e cultural, a sociedade oferece-nos um largo espectro de papéis para executarmos, e somos recompensados caso executemos esses papéis tão bem quanto possível – papéis de adolescentes, trabalhadores, pessoas de negócios, políticos, padres, doutores, esposas, pais, pensionistas, Russos, Australianos.
As tradições, as disposições e o país onde vivemos – eles também nos empurram certos papéis. Esse empurrão, algumas vezes sutil e gentil, algumas vezes brusco e insolente, forçosamente imposto ou voluntariamente aceito, molda nossa natureza, em certo grau, até que possamos nos tornar completamente identificados com os papéis designados. Podemos até parar de perceber que estamos executando papéis, assumindo que o que estamos fazendo é participar de uma vida genuína e autêntica. Infelizmente, esse não é o caso.
Cada papel, inevitavelmente, simboliza algumas identidades fixas. A sociedade prefere operar com identidades fixas – elas ajudam a dividir as pessoas em grupos, ‘empurrar’ os grupos para ‘caixas’ separadas e arquivos de computador (hierarquizados ou aninhados uns nos outros), nomear essas caixas e arquivos com nomes, números e códigos, e, então, fazer com elas todo tipo de manipulações. E acima de tudo, exercer controle.
O controle social não pode funcionar sem se construir um sistema bem estruturado de identidades fixas. É mais fácil de exercer controle sobre identidades de grupo fixo do que sobre identidades de indivíduos variáveis que são evasivas, flexíveis, resistentes ao controle, abertas a mudanças, à evolução e ao crescimento. Quando encurralada numa identidade de grupo fixo, a identidade individual está em perigo de perder sua singularidade e tornar-se uma entidade medíocre numa maioria de pessoas ‘mandadas’, facilmente susceptíveis à manipulação e à corrupção.
Identidades individuais vivas são caóticas – extremamente sensíveis a mudanças (mesmo que pareçam pequenas) que ocorrem nas condições humanas, tanto externas quanto internas, impredizíveis e, assim, livres. Identidades fixas são fechadas em padrões ordenados pré-projetados – insensíveis a mudanças, facilmente predizíveis e, portanto, não livres.
Todos os tipos de ferramentas de controle, como números em arquivos de impostos, números de licenças, passaportes, carteiras de identidade, certificados, permissão de moradia, vistos etc são extensivamente colocados em operação na sociedade de hoje para manter as identidades humanas fixas.
Qualquer identidade fixa facilmente torna-se uma linha de caracteres alfanuméricos comprimidos para satisfazer aos requisitos de uma variedade de bancos de dados de computadores. Uma vez capturadas pelo computador, as identidades humanas tornam-se aprisionadas por toda a vida num Sistema a partir do qual não existe saída. Isso é o Sistema de Identidades Fixas – um grande alívio para todos os tipos de autoridades de vigilância na sociedade humana. Para tais autoridades, cada identidade fixa tem apenas uma interpretação – potencialmente ela é identidade de um criminoso: se não estiver se comportando como as Regras do Sistema requerem, as pessoas são automaticamente tratadas como criminosas – no Sistema todos devem obedecer às Regras.
O Sistema é uma cama procustiana para as identidades de indivíduos vivos. Lembre-se de Procusto das antigas lendas gregas – aquele salteador que costumava esticar ou mutilar suas vítimas para fazê-las mais ajustáveis ao tamanho da sua cama. O mesmo está acontecendo com as nossas identidades individuais na sociedade de hoje – elas têm que se ajustar a certas camas procustianas. Caso contrário, existem forças na sociedade, poderosas o suficiente, para fazer-nos ajustar à cama. Uma vez lá, nós somos predizíveis, é fácil de lidar conosco – lavar os nossos cérebros, manipular-nos, iludir-nos e explorar-nos.